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CapitalO Capital é o elemento central do pensamento econômico e ordena as categorias de valor dos bens e dos serviços. “Capital” vem de caput, “cabeça”, “cabeçalho”, “título”, aquilo que está acima, ou no centro, e em função de que se ordenam os demais elementos do sistema, discrimina-lhes o valor de referência no conjunto dos recursos/produtos. É assim que Capital se percebe como Valor. Não por acaso, associamos no cotidiano que o valor de uma coisa tem a ver com a sua importância nominada. As leis têm caput, as unidades geopolíticas têm capitais, os sistemas monetários organizam-se em função do capital financeiro, e assim por diante...
Quando as pessoas entendidas em Economia falam de “capital”, normalmente parecem estar falando em “dinheiro”, que é uma forma concentrada e facilmente perceptível de “importâncias” em “títulos” de “capital”. Isso faz com que se pense que “capital é dinheiro”, e que “dinheiro é tempo”, mas essa é uma forma muito parcial e reducionista de ver as coisas. Capital é “tudo o que tem importância”, tudo o que tem valor e que pode ser convertido em ação humana presente, futura ou passada. O capital, ou a importância, manifesta-se em todas as dimensões da existência, e é por isso que se fala por exemplo em “capital social”, “capital cultural”, “capital humano”, “capital cognitivo”, “capital estético” etc.: porque cada aspecto da existência tem um “valor” para o conjunto daquilo que se costuma definir como “humano”. Como o “capital” se confunde muito facilmente com “dinheiro”, é comum que se pense que para ser um bom capitalista é suficiente que uma pessoa consiga concentrar uma cifra financeira qualquer. O problema é que como o dinheiro não tem absolutamente nenhum valor particular, seu acúmulo não representa o acúmulo de uma coisa importante por ela mesma – o dinheiro não vale nada além de uma referência a outra coisa, aquilo que o dinheiro pode comprar e que é o que realmente possui valor no pensamento econômico. Pensar o capital como “aquilo que é importante” modifica o pensamento econômico e provoca um redimensionamento de como se deve agir num determinado “contexto de ação”. O Capitalismo é o pensamento econômico que se organiza em torno da concentração do capital, o que acontece por meio da reunião de bens, produtos serviços – e etc. (autoridades, legitimidades, personalidades...) – como reservas que podem ser usadas ou trocadas num mercado qualquer. A forma mais concentrada do capital é o dinheiro, um valor ou importância que não se relaciona com nenhuma coisa em particular, um valor simbólico objetivo no sistema econômico, neutro e abstrato, cuja forma mais simplificada e objetiva é a moeda. O Capitalismo avançado é aquele que estabelece um mercado financeiro: o próprio capital, concentrado como dinheiro, torna-se uma matéria-prima, um produto processado e uma mercadoria, tornando imperativo concentrar cada vez mais capital[OL1] . O grande equívoco dos modelos econômicos oficiais (aqueles adotados pelo sistema financeiro e pelo Estado) é considerar o Capital numa perspectiva absolutizante, totalizante, reificante. Quando nos deixamos levar pelo discurso financista sobre o Capital, restringimos o limite do que é Capital ao limite do que é “mercadoria” segundo uma moeda não apenas centralizada, mas exclusivista, absolutizada, reficada. A despeito de se reconhecer que num sistema econômico capitalista se deva esperar que tudo se possa reduzir a mercadoria, a fixação de uma moeda como sistema oficial de trocas é uma das “miopias” que é preciso corrigir no pensamento econômico. Por mais que seja necessário unificar a economia (as economias) sob uma razão “constante” e “linear” – papel que o sistemas monetários desempenham de forma relativamente eficiente[1] –, uma moeda não pode representar adequadamente as diferentes naturezas de Capital. Obviamente, não é que não existam outras moedas, discriminadas em outros títulos e ações de Capital; eles apenas não são nominados, explicitados, classificados etc. como bens de Capital. É claro que nos permitirmos aplicar a metáfora do Capital a uma infinidade de situações abre as portas para o mesmo comportamento com as ideias de “troca”, “mercadoria”; mas fazemos isso para enquadrar algo, homologar algo no domínio do pensamento econômico monetizado – para reduzir as coisas à ideia de Capital, à ideia de um Capital. A partir de certo momento, é preciso considerar que se o Capital manifesta diferentes naturezas o “dinheiro” originado dessas distintas naturezas, dessas riquezas, desses bens e importâncias, segue rotas distintas, processos distintos, operações distintas; é preciso considerar que a partir desse momento o modelo econômico, ainda que privilegie certos interesses permitidos pelo contrato social, não pode perder de vista as diferenças introduzidas pelas distintas naturezas econômicas. Serão elas, muito provavelmente, as anomalias que tanto deteriorizam e invalidam as previsões – e os modelos - que empregamos no pensamento econômico oficial. Não se trata, ainda, de ignorar que existem e que se reconhecem as naturezas e formas alternativas de capital: afinal, já se vão décadas que falamos em termos de “capital simbólico”, “capital social”, “capital cultural”. Mas ainda não vemos modelos em que os capitais sejam equiparados em termos de valor, não reduzidos uns a outro, mas organizados de forma intercambiável e retroalimentadora, capaz de reduzir o efeito entrópico, o desgaste, a corrupção etc., dos sistemas econômicos, sociais e culturais. [1] Na medida em que a homogeneidade da moeda em si mesma é relativa, dependendo de sistemas e taxas de conversão flutuante, ou seja, do reconhecimento empírico de uma “diferença de consistência” dos valores entre sistemas heteróclitos – o grande exemplo provavelmente é o das moedas nacionais, real, dólar, yen, libra etc. [OL1]Uma vez que o “capital material” é um valor finito e limitado, para concentrá-lo em um lugar é sempre preciso desconcentrá-lo em outro, processo que pode afetar o equilíbrio do sistema econômico como um todo, inclusive os capitais que têm natureza diversa dos capitais materiais (os capitais simbólicos e imaginários). Hoje em dia sabemos que o capital tem origens diversas (materiais, simbólicas e imaginárias), mas como começamos a pensá-lo a partir do contexto do nosso mundo material, nosso comportamento em relação a ele é mediado pela memória da economia material e de seu desdobramento na economia financeira – que segue uma natureza simbólica, com todas as implicações que essa premissa deve trazer ao pensamento econômico. Nesse contexto, o capital está sempre correndo o risco de perder a razão de seu valor, pois a finança é sempre hipotética. Na tradição ocidental do pensamento econômico, “sequestra-se” a percepção e a evidência da fragilidade que deriva da relatividade do capital financista. Embora não haja segredo a respeito de que as categorias econômicas pertinentes às operações financeiras envolvem sempre e necessariamente conjuntos de operações simbólicas, dependem de “cálculos” tanto ou mais do que de “contas”. Atualizado em 15/07/2015.
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