Ontem, 04 de abril, estive na reunião do Conselho Estadual de Cultura. Tentei fazer um exercício de observação considerando os interesses do Seminário Metodológico Economia Criativa no ES, que são antes de tudo os meus próprios interesses, seja como cidadão, como professor universitário ou, finalmente, como poeta, como agente cultural. Assim como eu havia, sei lá, duzentas, trezentas: poetas, artistas plásticos, escritores, dramaturgos, estudantes, atores, editores, diretores, músicos, produtores, dançarinos, circenses, servidores, políticos. Não conhecia tod@s, e aquele ar ruidoso me fez entrar numa enorme nostalgia de outras épocas, encontros, seminários, festivais -- é engraçado como a memória tem o dom de ir fazendo sumir na memória a intensidade do que já vivemos. Há quem diga, aliás, que foi por conta desse tipo de coisa que inventamos os rituais e as religiões para não esquecer daquelas poucas epifanias que fazem a vida ter realmente sentido.
A nostalgia era uma onda boa, mas se eu não tomasse cuidado, perderia a oportunidade de observar a situação que se desenhava. Vi alguns amigos, os bons conhecidos, algumas pessoas admiráveis, mas se fosse até eles, eu me perderia do que me havia proposto: ver, olhar, enxergar. Porque há muito para compreender, considerar, incorporar ao que venho pensando e escrevendo no meu relatório de pesquisa (que é sobre Economia Criativa, é bom lembrar). Como não sou um antropólogo, nem sociólogo, nem psicólogo, só deixei a massa de gente vibrar em mim. Embora nem todos fossem amigos, ou sequer conhecidos, a nostalgia se tranformava em conforto: o conforto de estar entre iguais, embora todos fôssemos tão diferentes. Vaguei pelo salão, que não conhecia, de uma Vitória que eu nunca realmente conheci, porque cheguei tarde e só me puderam a ver o mofo.
Divaguei pelo salão, até encontrar um ponto onde pudesse ver e acompanhar toda, ou pelo menos boa parte da movimentação. As pessoas passavam, algumas se posicionavam, mais ou menos próximo do olho do furacão. Em alguns momentos parecia que estamos em final de campeonato, de futebol ou de MMA. Ou no Coliseu. O difícil era distinguir no olho quem eram os guerreiros, quem eram os leões, quem eram os gladiadores: todos pareciam, todos fazendo a massa ruidosa.
Quando me sentei e realmente comecei a prestar atenção à mesa de reunião do Conselho Estadual de Cultura, a carta do movimento Ocupa Secult já havia sido lida, e as inscrições para as falas individuais já estava acontecendo. Saudações, declarações, cobranças. Saudações, declarações, cobranças. Calor, calor, calor. E o Secretário que nada falava, tanto que em alguns momentos lhe foi perguntado se ouvia, foi-lhe solicitado que não desviasse o olhar de quem estava na posse da palavra. Falou pouco, e não alterou o posicionamento neutro de que não tinha condições assumir qualquer tipo de compromisso por si mesmo. Demonstrava em público o quanto a Secult é refém da centralização administrativa e política, o quanto esse centro se mostra ausente do processo decisório vinculado à participação social.
Houve falas exaltadas, houve falas ponderadas, houve falas confusas. Sempre há. Mas, diferente de outros momentos, houve abertura para falar. As falas não foram cerceadas ou controladas rigidamente pela mesa. A plenária ratificava, as falas seguiam e, muito felizmente, as pessoas se esforçaram para não exagerar, não fugir dos assuntos prioritários. Funcionou. Tem funcionado. Ainda não houve diálogo, mas ter direito amplo à fala já é um grande recomeço. Até o Circo, esse primo tão esquecido, tão bastardo, levantou o mãozão e mandou ver. E foi bonito. Até os sevidores públicos vinculados à Secult acabaram tendo uma fala de representação. E foi bonito. Alguém observou que nem todos os segmentos conseguem hoje ter uma representação formal, e por isso acabam não podendo se manifestar. E isso é feio, é muito feio. Mas é assunto para outros posts.
O Secretário João Gualberto deixou a reunião “cozinhar”. Que as pessoas falassem, extravasassem, purgassem tudo o que pudessem. Quanto mais outros falassem, menos teria ele que falar, e o término da reunião fatalmente chegaria. Afinal, é assim que faz política quem não quer -- ou não pode -- fazer política. Alguém cronometrou sua fala (sua “posse de bola”) em quatro minutos, num total de 180 minutos. Alguém observou que não houvem nem um posicionamento objetivo sequer. Muitos foram-se cansando, outros foram lembrando de outros compromissos, a plenária começou a esvaziar, mas ainda assim ao fim da reunião um cortejo de mais de 150 pessoas seguiu a comitiva do Secretário, sempre de forma ruidosa. E a reunião findou, ou foi “pausada”, para ser retomada na próxima quinta-feira (dia 07 de maio).
Qual o saldo dessa primeira ópera do Ocupa Secult? É difícil dizer com clareza, há uma maré cheia e um forte vento Sul, no limite de uma ressaca. O Governo tem suas estratégias, seu quebra-mar, mas quando a natureza realmente chama sabe-se muito bem quem é que ganha. Em momentos desse tipo é possível entender o valor estratégico da Cultura por um outro ângulo: afinal, nem os professores escapam de violência física por parte dos governos hoje em dia -- hoje em dia? Os agentes culturais (artistas, mestres, ativistas e militantes) passaram um tempo razoável expostos bem em frente à Secretaria de Estado da Cultura, tempo suficiente para que os “cabeças” do movimento pudessem se definir e ser “fichados”, mas não houve violência, e a índole do Secretário João Gualberto não parece ao menos imediatamente pender para esse tipo de reação. Acompanhemos.
Por outro lado, uma semana de “decantação” do movimento Ocupa Secult afirmou discursos, posturas, atitudes. Forçou o olho no olho, a ponta da língua, o teste do ouvido. Não houve, talvez nem deva haver, um grande consenso. Mas o pouco que se tornou consensual já é muito para quem está sem rumo, à deriva, nesse mundo em que a política pública acredita que pode existir… sem política pública. Ainda é cedo para dizer, mas novas lideranças políticas estão surgindo, mesmo que elas ainda sejam relutantes em perceber, ou aceitar, isso. Lideranças e representações históricas estão tendo a oportunidade de reafirmas agendas de luta que remontam a décadas de descaso e desmerecimento.
Não creio ter visto ainda no movimento uma expressão mais sensível da sociedade civil, exceto, é claro, pelas representações culturais. Mas não fiquei muito tempo na trincheira física do Ocupa Secult, vendo quem ia e quem vinha com seu apoio e solidariadade para o cerco que se fez na última semana. Vi poucos estudantes, embora muito se tenha falado sobre o papel importante que a juventude tem quando se pensa na reconstrução cultural, social -- e econômica do País, do Estado e dos Municípios. Mas ainda é cedo, e são os jovens que têm mais (a sensação de) tempo. Esperemos mais um pouco por eles.
Quinta-feira tem mais. Afetos de aço, MMA flower-power, UFC purpurina, Clowndiadores. A gente não pode esquecer quem a gente é, porque é isso que nos dirá a melhor maneira de lutar. Stay tuned.
PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO
https://www.facebook.com/pages/Fórum-Livre-da-Cultura-Capixaba/835168816568192
A nostalgia era uma onda boa, mas se eu não tomasse cuidado, perderia a oportunidade de observar a situação que se desenhava. Vi alguns amigos, os bons conhecidos, algumas pessoas admiráveis, mas se fosse até eles, eu me perderia do que me havia proposto: ver, olhar, enxergar. Porque há muito para compreender, considerar, incorporar ao que venho pensando e escrevendo no meu relatório de pesquisa (que é sobre Economia Criativa, é bom lembrar). Como não sou um antropólogo, nem sociólogo, nem psicólogo, só deixei a massa de gente vibrar em mim. Embora nem todos fossem amigos, ou sequer conhecidos, a nostalgia se tranformava em conforto: o conforto de estar entre iguais, embora todos fôssemos tão diferentes. Vaguei pelo salão, que não conhecia, de uma Vitória que eu nunca realmente conheci, porque cheguei tarde e só me puderam a ver o mofo.
Divaguei pelo salão, até encontrar um ponto onde pudesse ver e acompanhar toda, ou pelo menos boa parte da movimentação. As pessoas passavam, algumas se posicionavam, mais ou menos próximo do olho do furacão. Em alguns momentos parecia que estamos em final de campeonato, de futebol ou de MMA. Ou no Coliseu. O difícil era distinguir no olho quem eram os guerreiros, quem eram os leões, quem eram os gladiadores: todos pareciam, todos fazendo a massa ruidosa.
Quando me sentei e realmente comecei a prestar atenção à mesa de reunião do Conselho Estadual de Cultura, a carta do movimento Ocupa Secult já havia sido lida, e as inscrições para as falas individuais já estava acontecendo. Saudações, declarações, cobranças. Saudações, declarações, cobranças. Calor, calor, calor. E o Secretário que nada falava, tanto que em alguns momentos lhe foi perguntado se ouvia, foi-lhe solicitado que não desviasse o olhar de quem estava na posse da palavra. Falou pouco, e não alterou o posicionamento neutro de que não tinha condições assumir qualquer tipo de compromisso por si mesmo. Demonstrava em público o quanto a Secult é refém da centralização administrativa e política, o quanto esse centro se mostra ausente do processo decisório vinculado à participação social.
Houve falas exaltadas, houve falas ponderadas, houve falas confusas. Sempre há. Mas, diferente de outros momentos, houve abertura para falar. As falas não foram cerceadas ou controladas rigidamente pela mesa. A plenária ratificava, as falas seguiam e, muito felizmente, as pessoas se esforçaram para não exagerar, não fugir dos assuntos prioritários. Funcionou. Tem funcionado. Ainda não houve diálogo, mas ter direito amplo à fala já é um grande recomeço. Até o Circo, esse primo tão esquecido, tão bastardo, levantou o mãozão e mandou ver. E foi bonito. Até os sevidores públicos vinculados à Secult acabaram tendo uma fala de representação. E foi bonito. Alguém observou que nem todos os segmentos conseguem hoje ter uma representação formal, e por isso acabam não podendo se manifestar. E isso é feio, é muito feio. Mas é assunto para outros posts.
O Secretário João Gualberto deixou a reunião “cozinhar”. Que as pessoas falassem, extravasassem, purgassem tudo o que pudessem. Quanto mais outros falassem, menos teria ele que falar, e o término da reunião fatalmente chegaria. Afinal, é assim que faz política quem não quer -- ou não pode -- fazer política. Alguém cronometrou sua fala (sua “posse de bola”) em quatro minutos, num total de 180 minutos. Alguém observou que não houvem nem um posicionamento objetivo sequer. Muitos foram-se cansando, outros foram lembrando de outros compromissos, a plenária começou a esvaziar, mas ainda assim ao fim da reunião um cortejo de mais de 150 pessoas seguiu a comitiva do Secretário, sempre de forma ruidosa. E a reunião findou, ou foi “pausada”, para ser retomada na próxima quinta-feira (dia 07 de maio).
Qual o saldo dessa primeira ópera do Ocupa Secult? É difícil dizer com clareza, há uma maré cheia e um forte vento Sul, no limite de uma ressaca. O Governo tem suas estratégias, seu quebra-mar, mas quando a natureza realmente chama sabe-se muito bem quem é que ganha. Em momentos desse tipo é possível entender o valor estratégico da Cultura por um outro ângulo: afinal, nem os professores escapam de violência física por parte dos governos hoje em dia -- hoje em dia? Os agentes culturais (artistas, mestres, ativistas e militantes) passaram um tempo razoável expostos bem em frente à Secretaria de Estado da Cultura, tempo suficiente para que os “cabeças” do movimento pudessem se definir e ser “fichados”, mas não houve violência, e a índole do Secretário João Gualberto não parece ao menos imediatamente pender para esse tipo de reação. Acompanhemos.
Por outro lado, uma semana de “decantação” do movimento Ocupa Secult afirmou discursos, posturas, atitudes. Forçou o olho no olho, a ponta da língua, o teste do ouvido. Não houve, talvez nem deva haver, um grande consenso. Mas o pouco que se tornou consensual já é muito para quem está sem rumo, à deriva, nesse mundo em que a política pública acredita que pode existir… sem política pública. Ainda é cedo para dizer, mas novas lideranças políticas estão surgindo, mesmo que elas ainda sejam relutantes em perceber, ou aceitar, isso. Lideranças e representações históricas estão tendo a oportunidade de reafirmas agendas de luta que remontam a décadas de descaso e desmerecimento.
Não creio ter visto ainda no movimento uma expressão mais sensível da sociedade civil, exceto, é claro, pelas representações culturais. Mas não fiquei muito tempo na trincheira física do Ocupa Secult, vendo quem ia e quem vinha com seu apoio e solidariadade para o cerco que se fez na última semana. Vi poucos estudantes, embora muito se tenha falado sobre o papel importante que a juventude tem quando se pensa na reconstrução cultural, social -- e econômica do País, do Estado e dos Municípios. Mas ainda é cedo, e são os jovens que têm mais (a sensação de) tempo. Esperemos mais um pouco por eles.
Quinta-feira tem mais. Afetos de aço, MMA flower-power, UFC purpurina, Clowndiadores. A gente não pode esquecer quem a gente é, porque é isso que nos dirá a melhor maneira de lutar. Stay tuned.
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